05/12/2023
ACTAS DO MARTÍRIO DE SANTA EULÁLIA
Actas de Sta. Eulália, Virgem e mártir de Cristo, que morreu na cidade de Mérida,
sob o mandato de Calpurniano, em 10 de Dezembro de 304 (?)
1. Foram inumeráveis as pessoas e infinita a multidão dos que enfrentaram a
mais crua morte, em defesa do nome de Cristo, com ânimo firme, decididos a alcançar
a vida eterna. Entre eles a ditosa mártir Eulália, confiando que Cristo lhe concederia o
êxito da vitória. Arrostando, segura do cume do seu triunfo, o combate do martírio,
mereceu alcançar digna palma. Tentada com mimos, mas nunca seduzida com razões,
calcou a cabeça do velho inimigo e suas falácias, com morte gloriosa. Pois que ela foi
virgem felicíssima, jovem piedosa, temente a Deus e preparada para o matrimónio, na
idade dos treze anos, casta na sua mente e corpo, sincera na sua fé, firme na sua
castidade; tinha como mestre Donato, certo presbítero, que a ensinava, desde a mais
tenra infância, que antes se deve dar testemunho de Cristo que negá‐lo, e confessar
com toda a alma a indivisível Trindade de Deus. Nenhuma coisa humana distraía o seu
ânimo, mas servia o Senhor Todo‐poderoso com a perseverança do seu esforçado
coração, pois estava inteiramente unida a Deus com devoção plena. Durante o período
da adolescência, bastante firme na prática das suas crenças, com fé adquirida por
santa devoção, mantinha‐se com ânimo inquebrantável, dedicara a sua alma a
Deus e intentava oferecê‐la por Cristo, de quem esperava receber a gozosa palma do
anelado martírio. O nome do seu pai era Libério.
2. Tendo sido decretada perseguição contra os cristãos e aproximando‐se o dia
do martírio, casualmente, a beatíssima Eulalia, cidadã e residente na Província da
Lusitânia, encontrava‐se fora de Mérida, na povoação de Promciano, a pouco mais de
trinta e oito milhas da urbe, nos confins da província Bética, convidada por uma irmã,
por amor da santidade e aí morava numa villa, levando vida santa e louvando a Deus,
em companhia do confessor Félix e de algumas pessoas tementes a Deus. Divulgou‐se a notícia de que um inimigo cruel havia penetrado na cidade de Emerita (Mérida).
Eulália soube que uns emissários tinham chegado em carro público para levá‐la a
Mérida e que seu pai Libério já estava preso aí, no cárcere, com outros confessores da
fé. Conhecedora da notícia, a ditosa Eulália encaminhou‐se feliz para o martírio,
avançando prontamente para a cidade. Ordenou que se preparasse um transporte
para fazer o trajecto. Nem a dureza do caminho, nem o seu abastado património, nem
o amor aos seus entes queridos a fizeram retroceder. Adoptando um talante varonil,
apressava piedosamente, destinada a tão grande glória, e com tal talante, que, se
fosse possível, percorreria tão longo caminho numa só hora. Tanto insistia ao
condutor, que fosse a toda pressa, andando o mais rápido possível. Fazia‐lhe
companhia e dava‐lhe amizade Júlia, jovem como ela. Enquanto andavam, disse‐lhe
Eulália: “Deves saber, querida irmã, que, mesmo que seja a última a chegar, serei a
primeira a sofrer o martírio.” E assim aconteceu, como predissera.
3. Ao aproximar‐se da cidade, colónia dos emeritenses, certo judeu saiu ao seu
encontro e disse‐lhe: “Sejas benvinda. Oferece o incenso (aos ídolos) e então
poderás continuar a viver”. Ao que Eulália, respondeu: “Deus te aumente os anos, mas
eu estou aqui, desejando morrer por Cristo, meu Senhor.” E prosseguiu a toda a pressa
no seu carro. Ao contemplá‐la, o judeu viu nela um resplendor que a envolvia, como
chama de fogo e, estupefacto por tal visão, compreendeu que anjos a protegiam.
Talvez Deus tenha querido mostrar aos judeus, este milagre, para que a dureza
insensata de seus corações vissem as grandezas de Cristo.
Cheia de fé, apresentou‐se espontaneamente no fórum. Correndo, então, o rumor disso, pela vizinhança se concentraram inumeráveis pessoas e tão numeroso povo, que ninguém ficara em casa. Era de tal forma notória a fama da santidade e da beleza de Eulália que todos os habitantes da cidade de Mérida acorreram com a notícia da sua presença e pelo grande amor que lhe tinham, a fim de presenciar como
uma aldeã de estirpe senatorial, da própria província e conterrânea, enfrentava o
governador. Imediatamente informaram a sua presença a Calpurniano, governador da
Província da Lusitânia, encarregado pelo imperador e perseguidor Maximiano para
reprimir os cristãos. A este Calpurniano, responsável pela crueldade e cabecilha do
crime, a beata Eulalia não hesita em afligir com impropérios. Nem as palavras cruéis,
nem as mãos sanguinárias, nem a atitude ameaçadora conseguem dissuadi‐la da
intenção de padecer. Pelo contrário, aumentava o seu valor, à medida que ponha todo
o seu esforço em vencer o seu inimigo, apoiado no poder das fasces (insígnia dos
cônsules romanos). Olhando fixamente para Calpurniano, disse‐lhe: “Porque viestes à
cidade, inimigo de Deus excelso? Porque persegues os cristãos e te empenhas em
ultrajar as virgens consagradas a Deus? O Senhor educou-me na sua lei, por isso não
poderás profanar a minha castidade nem seduzir a minha juventude” O governador Calpurniano respondeu‐lhe: “Menina minha, como queres estragar a flor da tua
juventude, antes de te tornares maior?” Eulalia replicou‐lhe: “Tenho já quase treze
anos. Crês que, com ameaças vais poder intimidar os meus poucos anos? Tenho o
bastante para esta vida breve. E não me deleito com os mimos desta vida terrena, pois
espero outra vida futura mais feliz, para g***r pela graça de Deus.”
4. O governador Calpurniano disse: “Não te deixes enganar com essa infeliz
crença. Aproxima‐te e oferece um sacrifício aos deuses, como manda o preceito
imperial. Assim poderás escapar aos tormentos e teres as honras e um esposo rico.” A beata Eulália respondeu: “Já tenho um esposo rico, Cristo imortal, que te condenará a
ti, aos teus e a teu pai, o diabo, chamado Satanás”. Então o presidente ordenou que
prontamente a levassem para o cárcere. Mas antes, mandou‐a vir perante ele e,
querendo dissuadi‐la do seu propósito, com palavras ternas, disse‐lhe: “Considera a
tua tenra infância, compadece‐te de ti mesma. Anda lá, põe incenso e poderás viver.”
Mas Eulália, cheia de fé, firme no seu valor, sem temer o martírio até à morte,
respondeu assim: “Sou cristã e não o farei.” Então Calpurniano, abrasado por cego
furor, confiando que a vergonha da jovem, como acontece com todas as crianças,
diminuiria, dando‐lhe uns açoites por trás, ordenou ao encarregado do castigo que a
açoitassem. Enquanto, com fortaleza, suportava os açoites e o seu delicado e santo
corpo sofria as dores e os golpes, confiando na imensa glória do Senhor, com constância e valentia abominava o imperador e césar com todos os seus deuses juntos.
Mas os anjos do Senhor protegiam a ditosa Eulália. O duríssimo juiz julgava que ia
conseguir o que pretendia, açoitando com maior rigor a casta virgem. Ela, enquanto
era atormentada com aqueles açoites e dizia tais palavras, que chegaram aos ouvidos
do governador quanto tinha dito. Então mandou chamá‐la e trazê‐la à sua presença.
Ao contemplar a formosura do seu porte e a sua beleza, como querendo mostrar
piedade da sua tenra infância, disse: “De que te serve essa atitude? Vem, oferece um
sacrifício, faz una oferenda aos deuses e afasta‐te do perigo de morte.”
Mas Eulália, depois de submetida aos primeiros açoites, refutou a Calpurniano: “Desgraçado, de que te serviu dar a insensata ordem de desnudar a minha castidade? Pois que então tens o meu corpo sob o teu poder, não podes, contudo, ter a minha alma sob tua
jurisdição, só Deus somente, que me a deu”.
5. Então Calpurniano, vendo que os primeiros açoites nada haviam conseguido
dos seus propósitos, disse à beata Eulália: “Diz‐me, em que consiste essa tua firmeza,
que, segundo parece, adquiristes por meio de algum sortilégio e desprezas os sacrifícios
(aos deuses) para que louvem a tua condição?” Mas Eulália, confiando no Senhor de todo coração, ao que antes já tinha dito, acrescentou: “Porque me perguntas uma e outra vez? Já te disse e volto a repeti‐lo. O que tu queres e o que me dizes jamais o farei, porque sou cristã. Para que o saibas de uma vez, maldisse e maldigo os vossos reis em união com os seus deuses.” O governador, ouvindo isto e dando um pouco de tempo na aplicação da sentença à menina, a beata virgem Eulália, fiel na sua constância, com valor, transbordando fé e com toda a franqueza, gritou para que todos a ouvissem: “Calpurniano, dita já a sentença. Repito para ti o mesmo que tenho dito: que maldisse e volto a maldizer os teus reis e os seus deuses.” Ouvidas as palavras da bem‐aventurada Eulália, Calpurniano, cheio de horrível cólera e
inflamado de extremo furor, deu ordens para que no dia seguinte lhe preparassem, no
fórum, um tribunal.
Então ditou a sentença e mandou que fosse torturada a bem‐aventurada menina
e queimada viva no meio das chamas. Eulália replicou: “Não temo as tuas ameaças,
pois poderoso é o meu Senhor, que me deu fortaleza para resistir aos primeiros açoites,
como também me tirará ilesa do fogo que preparas.” Disse Calpurniano: “Estás a
comover‐me muito e ainda mais me compadeço dos teus tenros anos.”
A bem‐aventurada Eulália respondeu: “É o Senhor que se compadecerá de mim, porque tu, ma***to, que misericórdia tens?”
Calpurniano disse aos seus soldados:
“Preparai umas varas de árvores molhadas com seus galhos e, amarrada, desnudai‐a e
açoitai‐a.” A bem‐aventurada Eulália disse: “Estas, perverso, são as tuas ameaças. Não
me fazes nenhum dano, pelo contrário, me confortas.” O presidente Calpurniano disse:
“Trazei‐me azeite, aquecido e banhai em óleo ardente as suas maminhas.”
A bem‐aventurada Eulália respondeu: “Esse fogo, para mim, frio me fortaleceu e o azeite a
ferver não me queimou, mas ao contrário, me queima o amor a Cristo, a quem desejo ver.”
6. Calpurniano disse: “Trazei‐me cal viva, metei‐a nela e deitai‐lhe água em cima.” Respondeu a bem‐aventurada Eulália: “Que sejas abrasado no fogo eterno, do mesmo modo que mandastes abrasar a serva de Deus. Ele me protegerá e me livrará das tuas mãos, porque eu não padeço os tormentos por mim, mas sofro as p***s por Cristo.” Disse Calpurniano: “Enchei com chumbo, uma panela bem quente à frente dela; depois despi‐a, estendei‐a sobre um leito de ferro. Mas
primeiro mostrai‐lhe o tormento, para ver se se converte aos deuses. Se acaso não se
converter, despejai a panela em cima dela.” Mas, a bem‐aventurada Eulália que, em
cada dia, lia o martírio de santo Tirso, mais se fortalecida com um singular fervor.
Contemplando perante si o tormento anunciado, disse: “Deus verdadeiro, vem libertar a tua serva. Creio, pois, que quem se apiedou de santo Tirso, que, sendo ainda pagão, o levaste para ti, o mesmo farás comigo.” Logo, se liquefez o chumbo, abrasando as mãos dos que o levavam e chegou frio a santa Eulália.
Arrebatado então, Calpurniano, com maior furor, disse aos seus soldados: “Trazei as varas e, depois de açoitá‐la, tomai um pedaço de trapo e esfregai‐lhe as feridas”. A bem‐aventurada Eulália respondeu:
“Senhor meu, Jesus Cristo, tende piedade da tua serva e não deixes o meu coração
debilitar‐se, mas conforta‐o, porque quero escarpar do inferno e chegar até ti, que és
uno e trino e concedes a vida eterna.” O governador Calpurniano respondeu‐lhe:
“Desgraçada, olha por ti antes de morrer e sacrifica aos deuses.” Eulália disse:
“Sacrifica tu aos teus deuses e todos os que te ajudam. Eu, por minha parte oferecer‐
me‐ei ao meu Deus como hóstia viva, como também ele se ofereceu por mim, para nos
livrar do poder das trevas e do domínio do demónio. Porque os vossos deuses com que
sacrifícios podem ser honrados, sabendo – como sabemos – que inventados pela vossa vã superstição e feitos de bronze e esculpidos em pedra ou fundidos em diversos
metais? Por isso, os cristãos não os reconhecem, pois que, se não recebessem a vossa custódia, deveriam ser capazes de proteger‐se.”
7. Calpurniano disse‐lhe: ”Logo, se é Deus esse em que crês, como padeceu na terra paixão como um homem?”
Respondeu a beata Eulalia: “Pois sofreu
paixão efectivamente como um homem, por nós se revestiu de homem e tomou figura
de servo para nossa salvação, a fim de nos conduzir à liberdade.” Calpurniano
disse: “Os teus pensamentos confundem-te. Não estou disposto a ouvir estas
coisas. Aproxima‐te e sacrifica aos deuses, não aconteça que te sejam aplicados
tormentos piores.” Porém a bem‐aventurada Eulália respondeu‐lhe sorrindo: “Com
isso, fomentas os meus desejos, ao aplicares‐me tormentos piores. Faz agora o que oque tens na tua mente, porque é com isso que chegarei a ser vencedora em Cristo.” Calpurniano acrescentou: “Mas eu não hei‐de consentir que sejas vencedora,
porque vou aplicar‐te gravíssimos tormentos.” Respondeu Eulália: “Não poderás vencer‐me, porque vence em mim quem luta por mim.” Calpurniano disse: “Acendei as tochas e aplicai‐lhas aos seus joelhos.” Santa Eulalia
disse: “Já queimastes o meu corpo e vês como resisto. Manda que me preparem com
um pouco de sal, para que se torne mais saboroso a Cristo.” Arrebatado, então, o
governador Calpurniano com um furor diabólico, disse: “ Vamos, verdugos, acendei o
forno e lançai‐a nele até que morra”. Foi aceso o forno, de acordo com a ordem do
presidente. Trouxeram a menina e lançaram‐na ao fogo, mas ela começou a cantar
salmos dentro do forno, dizendo: “Depois dela, serão apresentadas ao Rei, as virgens,
suas companheiras, e também serão levadas com gozo e alegria.”
9 O governador Calpurniano deu uns passos à volta do pretório, que estava próximo do lugar onde o forno ardia. Quando ouviu a santa virgem Eulália a cantar, ordenou à sua gente: “Creio que nos venceu: esta moça obstina‐se no mal; mas, para que não possa vangloriar‐se,
tirai‐a e procurai um bobo e, antes de morrer, seja levada pelas ruas com adornos e
nua diante do povo, para que veja a sua virgindade.” Ao ouvir isto, santa Eulália,
respondeu assim: “Não me importa sofrer na terra a ignomínia de ir rapada e nua,
mesmo parecer feia, porque sei muito bem por quem padeço. Ele conhece a forma de
to fazer pagar, inimigo da justiça.”
Calpurniano disse: “Então, se não queres chegar a esta vergonha, vem e faz um sacrifício.”
Eulália respondeu: “Já estou a ser imolada em sacrifício de louvor e como vítima jubilosa.” Então Calpurniano, sobreexcitado com a pior intenção, disse aos seus verdugos: “Ponde‐a no ecúleo, e que vá sendo queimada, com chamas pelos dois costados.” Ao escutar a
sentença a santa virgem, cantando dizia: “ Provastes-me, Senhor, com o fogo e me
examinastes e não foi encontrada, em mim, maldade alguma.” E regozijava‐se no
Senhor. E via já como os anjos a acompanhavam, aguardando o fim do seu martírio. Pondo‐lhe, então, a sua própria cabeleira como se fosse um colar, levaram‐na atada à morte. Chegados ao lugar do martírio fora da cidade, ela desnudou‐se com as próprias mãos e deu as suas roupas aos verdugos. Só reservou uma cinta, por pudor, a fim de cobrir as coxas. Quando a colocaram na estaca, foi desconjuntada, atormentada, açoitada. Apesar da tortura dos membros, o seu corpo fortalecia‐se para o tormento.
Como com o triunfo confessava a Cristo, não sentia tormento algum. Mas nem assim
se aplacava tão sofisticada dureza de martírios. Por isso, foi mandado a dois soldados escolhidos, que abrasassem o corpo da jovem, aplicando fachos ardentes em ambos os costados da bem‐aventurada Eulália. Depois de se consumirem, pensou despedaçar
atrozmente os membros santos com grande variedade de tormentos. A isto a bem‐
aventurada mártir Eulália, submetida ao escárnio dos suplícios, respondeu: “De que te
serviu, Calpurniano, ter querido exercer sobre mim a ferocidade dos tormentos? Não
temo as tuas ameaças nem os teus suplícios. Confesso que sou cristã e amante do meu
Deus. Grava na tua mente a minha cara, para que, quando estivermos na hora do juízo
diante do tribunal do meu Senhor Jesus Cristo, reconheças as minhas facções nesse dia
e recebas o prémio devido aos teus méritos.” Muitos, atemorizados e compungidos de
coração, depois de escutar as palavras da mártir Eulália, afastaram‐se dos ídolos
e acreditaram no Senhor.
8. Depois, Eulália, maltratada por tão diversas formas de tormentos, dependurada numa cruz, alegrava-se sobre todos os demais suplícios, lembrando‐se que, desde a sua infância, se tinha ido preparando para eles. Dirigindo‐se aos que a escutavam, dizia‐lhes: “Convém‐vos acreditar no Deus único e verdadeiro, Pai celeste. E confirmava que Jesus Cristo, seu verdadeiro Filho todo‐poderoso, deve ser adorado em união com o Espírito Santo, bendito pelos séculos dos séculos.”
Deste modo, a gloriosa Eulália em sua agonia se apressava por chegar ao Senhor, quanto
antes. As chamas que lhe puseram de ambos os lados tornaram‐se mais violentas, mas
ela aspirava-as com a boca aberta. Depois disto, o espírito da santa mártir voou da
boca ao céu em forma de uma pomba, à vista de todos, para anunciar a chegada da
mártir de Cristo às regiões celestes.
Oh! mártir venerável, que tão gratíssimo exemplo deste aos cidadãos, superando o passado, fortalecendo o presente e ensinando o futuro.
O seu corpo santo, íntegro e ileso, esteve suspenso na cruz durante três dias por
ordem do governador. Com isto julgava o malvado, na loucura da sua crueldade, poder
vencer depois de morta aquela que não pudera dobrar em vida. Porém a ela, a quem
tinham sido negados as honras humanas, concederam‐se‐lhe, merecidamente, as
divinas, por generosidade de Deus, pois a neve que cobriu o corpo da menina, servindo‐lhe de protecção e decoro, como a sua cabeleira que com mão ensanguentada lhe arrancaram os lictores, adornasse agora com dons celestes cobertos de neve.
É sabido por todos que a beatíssima Eulália, nesse preciso momento, recebeu o
prémio dos seus trabalhos, pois seu corpo, que tinha ardido por ambos os costados
com o furor das chamas, pela divina graça resplandecia luminoso, coberto de nívea
brancura.
O seu corpo foi retirado em segredo pelos cristãos e enterrado com todo
respeito. Ao seu sepulcro recorrem os necessitados e são curados. Acorreram a esse
lugar, onde foram depositados os santos Donato e Félix, que, unânimes confessaram a
fé, seguindo as suas gloriosas pegadas, por meio da graça do martírio. Dirigindo‐se à
santa com alegria e imenso gozo de ânimo, disse Félix: “Vós, senhora, merecestes ser a
primeira a alcançar a palma do martírio.” Mas santa Eulália, deixando ver um sorriso no rosto, já segura do êxito da sua vitória, estava, antes, preocupada pela salvação do
seu companheiro.
Conhecei, meus irmãos, a inaudita e admirável paixão desta virgem, que uma
dupla palma de glória transportou ao céu: Primeiro, vencendo o inimigo da carne,
depois, superando o adversário da fé. Se digna de louvor é na sua entrega, mais ditosa
é no seu martírio. Se obteve pelo resplendor da sua virgindade, o fruto de sessenta,
ultrapassou‐o com cem pela grandeza do seu martírio. Para enaltecer os méritos dos
seus predecessores, fortaleceu na fé os presentes e deu exemplo de convicção aos
futuros. Sob o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, que acolheu a Mártir em sua paz. A
Ele, seja dada a honra e a glória, o império e o poder pelos séculos dos séculos. Amen.
Acaba aqui a Paixão da virgem santa Eulália.