01/02/2024
Professor fake
Assisti “Os rejeitados”, dirigido por Alexander Payne, roteiro de David Hemingson. Payne também dirigiu “Sideways: Entra Umas e Outras”, com o mesmo ator, o excelente Paul Giamatti.
Na High School onde trabalha, um internato nos arredores de Boston, o professor Paul (personagem de Giamatti) é uma figura quase insuportável. Odiado pelos alunos, desprezado pelos outros professores, cáustico, solitário, beberrão, e dono de um vasto conhecimento sobre Civilizações Antigas.
No recesso entre o Natal e o Ano Novo, ele é punido pelo diretor e tem que f**ar tomando conta da escola enquanto todos viagem para as festas. Com ele, uma cozinheira, um faxineiro e um pequeno grupo de alunos que não tem como voltar para casa, dentre eles, um adolescente rebelde e angustiado.
Mais não digo. Mas não deixe de ver!
Diálogos inteligentes, cheios de um humor ferino e preciso, levam, sem que a gente perceba, a questionamentos e reflexões mais que necessárias nesse universo imediatista e utilitarista em que vivemos. Mas um detalhe me tocou e capturou pessoalmente. Dando meio que um último spoiler, o professor Paul, quando aluno, foi expulso de Harvard por causa de uma desavença com um colega, filho de um dos benfeitores (diga-se mantenedores) da Universidade. Assim, nunca chegou a se formar. Acabou dando aulas numa escola de Ensino Médio meio que por piedade de alguns colegas.
Devo confessar, vivi algo de parecido na minha longa carreira de educador.
Quando terminei o Ensino Médio (Científico, naquela época) fui aprovado em Letras, na UFMG. O padre Candinho, que era diretor do colégio onde estudei, de imediato me convidou para dar aulas de Religião, já no ano seguinte. Meu primeiro dia de aulas na faculdade foi também meu primeiro dia de aulas como professor, de carteira assinada. Dei aulas para colegas meus que tomaram bomba.
Não fui o único. O padre Candinho tinha olho clínico para possíveis candidatos ao magistério, e fez do COPANSC uma fábrica de professores. Ali comecei uma rotina de aulas (muitas aulas) de manhã e à tarde, enquanto estudava à noite.
Estava no terceiro ou quarto período na faculdade. Durante um curso de Literatura Portuguesa, apresentava um TCC sobre Fernando Pessoa quando, ao final, o professor Ítalo Mudado disse: “Eduardo, tenho uma notícia boa e uma notícia ruim para lhe dar. A boa é que você foi aprovado com nota A. A ruim é que o senhor vai ser professor”.
Eu já era, e nem ele, e acho que nem eu, sabíamos...
O curso era dado na antiga FAFICH, na rua Carangola. No último semestre fomos para a FAE (Faculdade de Educação da UFMG) no Campus, na Pampulha, para as disciplinas finais de Estrutura e Funcionamento do Ensino e Prática de Ensino, que era um estágio.
Conversei com a professora de Prática de Ensino e perguntei se não poderia fazer esse estágio na própria escola onde dava aulas a quatro anos. Ela negou, até com certa grosseria. Tentei explicar que já vinha “praticando ensino” com turmas que iam da 5ª série ao 3°ano, e que teria que deixar de dar aulas para fazer um estágio... dando aulas. A supervisora do colégio inclusive já se dispusera a acompanhar e avaliar meu trabalho. A doutora em Educação negou rispidamente, entendendo como arrogância da minha parte.
Naquele mesmo ano eu ia me casar. Vendera um fusca e um lote que tinha e dera entrada num apartamento financiado a perder de vista pelo BNH. Despesas dobradas para montá-lo, as prestações vencendo e a vencer... não podia deixar as aulas.
Pensei comigo; só uma matéria, depois eu volto e termino o curso, pego meu diploma e está tudo resolvido.
Nunca mais voltei lá.
Assim como o professor Paul, dei aulas a vida inteira sem o diploma da minha Harvard, a UFMG.
Sempre estudei muito. Fiz outros cursos, estudei Teologia com os melhores jesuítas e frei Dario (hoje, Dom Dario) me abriu as portas da Filosofia.
Como bom discípulo de Inácio de Loyola, por conta do Magis, fiz do conhecimento minha paixão; como bom discípulo de Francisco de Assis, nunca coloquei meu valor em diplomas ou títulos.
Respeito, admiro e sempre aprendi muito com quem os tem, mas o currículo que abriu portas nos maiores e melhores colégios de Belo Horizonte, onde trabalhei, foi escrito a giz, nas lousas de milhares de aulas que dei ao longo de mais de quatro décadas.
Pois é, meu antigo aluno, aluna, o professor de Religião era fake...
Eduardo Machado
01/02/2024