12/02/2021
Estávamos a caminho das Portas de Almourão quando passámos pela primeira vez em Sobral Fernando. Era cedo, mas o dia já ia longo, naquela primeira visita ao concelho de Proença-a-Nova. Logo nesse primeiro encontro com a aldeia de Sobral Fernando chamou-nos a atenção o forno comunitário, onde os bancos de cimento, brancos, que ladeavam o forno estavam decorados com umas tiras ondulantes pintadas de amarelo. Era diferente de tudo o que tínhamos visto até ali. Era um sinal de cuidado, de mudança e, sobretudo, de vida.
Pois que a autora e impulsionadora dessas decorações só conhecemos mais tarde. Helena Fernandes, natural de Sobral Fernando, dotada de uma força e irreverência contagiantes, que só se assemelha à força do rio Ocreza a rasgar a sua passagem no sopé da aldeia.
Helena nasceu e viveu até aos 10 anos ali, naquela aldeia ladeada por dois rios, junto às Portas de Almourão - um acontecimento geológico semelhante às Portas de Rodão - e com vista para a Foz do Cobrão, a aldeia na margem sul do rio, que já pertence ao concelho de Vila-Velha de Ródão. O rio é um lugar comum nas histórias dos habitantes de Sobral Fernando. Quando Helena nos falou das brincadeiras na “rebera” transportou-nos com o seu olhar vibrante até um tempo em que as crianças iam sozinhas para o rio nadar e apanhar peixes. “Os mais velhos diziam-nos: Vocês para nadar mais depressa têm que engolir peixes vivos!, nós fazíamos uma co**ha com as mãos e engolíamos aqueles peixes pequeninos do rio num gole.”
Era vontade da família contrariar o legado da dureza da vida no campo e por isso com 10 anos a menina foi viver para a casa dos tios em Lisboa, para estudar e tornar-se professora. Helena não nos conta os seus “trambulhões” em pormenor, mas é fácil imaginar o encontro violento do seu espírito crepitante com os desafios da capital. Formou-se na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e foi professora de educação visual. Artista, mãe de três filhas e orgulhosamente independente, Helena regressa a Sobral Fernando em 2009, consciente que a forma como se fez o caminho é que permite saborear a viagem.
No Sobral gere dois alojamentos locais, transforma o antigo palheiro do “ti” Diamantino na sua casa e atelier, onde cria tapeçarias inspiradas na Beira Baixa, pinta a óleo, acrílicos e quadros a carvão e molda peças de cerâmica. Apaixonada por este “Cantinho do Céu” as suas ações transpuseram as paredes da casa e desceram para a rua, para os pequenos largos e para o ponto de encontro por excelência: o forno da aldeia. Como se costuma dizer, uma coisa leva à outra, e a vontade de Helena contagiou toda a aldeia. O valor da paisagem reflete as vontades da sua gente e é, por isso, fascinante perceber que a decisão de uma pessoa para melhorar o seu cantinho, levou outras a olhar à sua volta e a unirem-se para cuidar em conjunto da sua aldeia. Talvez este seja o verdadeiro sentido de comunidade, algo que se sente de forma tão distinta aqui no Sobral e que é tão difícil de explicar por palavras.
Helena Fernandes, obrigado por nos deixar partilhar a sua história