29/05/2022
Até que se ame, no âmago, onde nunca puderam estar os supérfluos, é o amor inacreditável. Inacreditável em suas capacidades construtiva e destrutiva.
Camões propôs: “O amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente”; Maiakovski, por sua vez, pedia: “Ressuscita-me, quero acabar de viver o que me cabe, minha vida, para que não mais existam amores servis”. Como eles, tantos poetas tentaram a partir de paroxismos como o de Camões ou de outras estilísticas, definir, mesmo que apenas capturando uma ínfima centelha, o que é o amor, esse angelical-demoníaco sentimento que nunca deverá ser suficientemente compreendido, pois tudo que é intrinsecamente belo e, por isso, enigmático, nunca deve ser plenamente decifrado, sob o risco de despetalar-se.
Um homem, Gustav Mahler, uma mulher, Alma Mahler... Eine große und traurige Liebe. No filme de 2010, “Mahler auf der Couch(Mahler no Divã), de Percy Adlon, somos postos diante da crise conjugal de Gustav e Alma Mahler. Ele, homem essencialmente melancólico, angustia-se ao encontrar uma carta do amante Walter Gropius(futuro fundador da Bauhaus) para sua esposa.
Nesse cenário, o afamado compositor - que na época alcançou o mais prestigiado cargo em todo o mundo da música, o de diretor da ópera de Viena - decide, renitentemente, consultar-se com o pai da psicanálise, Sigmund Freud. À medida que a trama avança, se constata a complexidade da situação do casal; ela, mulher culta e talentosa que se vê castrada; ele, 23 anos mais velho, apesar de apaixonado, perde-a crescentemente, em decorrência de sua incapacidade em perceber o que ansiava o corpo e o espírito de Alma.
Através da liberdade poética própria à constituição artística, Percy Adlon procura em sua película apresentar o possível conteúdo produzido por este lendário encontro entre Mahler e Freud e algumas de suas consequências para o analista e o analisado.
Biograficamente, ao fim da vida, quando abandona a postura de objeção contra as pretensões artísticas da esposa(a quem ele chamava Almschi), passando a incentivá-la a tocar novamente, já é demasiado tarde, pois em 1911, morreria Gustav Mahler, com apenas 50 anos.
Jorrocane