23/12/2023
Eu mudo poemas.
Sou muda
se cresço, podam-me
e se me podam eu me espalho.
Dizer-me não
é soprar um dente-de-leão
ninguém me cata
nada me junta
quebra-cabeças quebradas
Pombos em revoada
peste, praga, tiririca brava
ando descalço no asfalto quente desde criança
Tenho os dedos cortados de cerol fininho
Perdi as cabeças dos dedões nos trupicões
E todas as tampas e sobretampas dos joelhos
todas as peles, dermes, hepidermes dos cotovelos
tenho zíperes nos supercílios
e os mindinhos dos pés quebrados.
Ombros deslocados
Dentes que morderam chãos de terra e de cimento
um calo em cada calo calejado pelo tempo
Olhos de mar verde cinzento
meio impróprio pro mergulho
mas possível de se pescar algum alimento
Estômago de avestruz
Fígado de Opala 1979
Dizer-me não
é soprar o dente-de-leão
Contar cada parafuso dos trilhos
desde a Central do Brasil
até a última estação.
Entra não!
Mas...
Caso quiser.
Gentileza é a serventia da casa.
Não bata na porta
Venha de voadora.
una charla, um café
Uma canção no tom que alcancemos ou não...
Quem sabe um cafuné.
E é isso que temos para hoje
E é isso que é.
(Poema: Legenda)