09/07/2024
"O Pe. Amílcar Amaral nasceu no lugar de Paçô, Senhorinha, Sever do Vouga, no dia 14 de Dezembro de 1919. Foi o quarto filho de uma numerosa família de onze filhos. Frequentou o Seminário de Viseu, entre 1932 e 1938. Em 1939 foi frequentar o Seminário dos Olivais, em Lisboa, já por conta da Diocese de Aveiro, entretanto restaurada em 1938. Para terminar os seus estudos, dadas as dificuldades económicas da sua família, fez um empréstimo pessoal.
Foi ordenado sub-diácono, em 15 de Agosto de 1941, na Igreja Matriz de Águeda. Veio a ser ordenado padre no dia 9 de Agosto de 1942, na capela do Paço Episcopal por D. João Evangelista de Lima Vidal. Em Outubro de 1942 é nomeado pároco de Castanheira do Vouga e encarregado da freguesia em Águeda, sendo pároco o Monsenhor José Bernardino dos Santos Silva, pessoa já com muita idade e natural de Óis da Ribeira.
Em Outubro de 1943, o Pe. Amílcar, jovem com 23 anos, foi nomeado pároco da freguesia de Águeda, fixando residência na Travessa da Venda Nova, trazendo para viver consigo a sua irmã Esmeraldina Amaral, com apenas 13 anos de idade.
A vila de Águeda, na década de quarenta, era um núcleo urbano nascido à beira rio e em volta da Igreja Matriz, salientando-se o Bairro da Venda Nova que envolvia a pequena capela de S. Sebastião, onde se situava o campo de futebol do Recreio Desportivo de Águeda, as fábricas de ferragens António Ribeiro de Matos, Silva & Irmão, Joaquim Valente de Almeida e a Amaro, e, ainda, a Cerâmica Guerra & Cruz e a Serração Baldaia & Madeira. Se nessa altura começava a circular o mote “Águeda é o país”, a Venda Nova era, sem dúvida, a sua capital tal a quantidade de gente que a frequentava entre residentes e operários das várias fábricas que aí coexistiam.
O Pe. Amílcar, ao fixar a residência na Venda Nova, passou a ser um padre jovem no meio do seu povo. Com as crianças, jogava à bola; com os operários, convivia na hora do almoço. Em 1943, cria a Liga Operária, que funcionava como um fundo de apoio aos operários no infortúnio ou na doença. Os rapazes pagavam mensalmente 5 centavos e os casados pagavam 10 centavos. Esse fundo foi extinto em Maio de 1944 quando foi criada a Caixa Regional de Abono de Família do Centro e Sul do Distrito de Aveiro, em 3 de Março de 1944. O Pe. Amílcar e os responsáveis encerraram a Liga com um convívio dos sócios em torno de uma cesta de figos secos e algumas bebidas e incentivou os operários a inscreverem-se na Caixa.
Na década de quarenta e cinquenta, a vida era muito difícil devido à II Grande Guerra. Havia muita fome em Águeda, sobretudo nos bairros de Assequins, Ameal, Paredes, Borralha e nos lugares rurais da freguesia bem como em todo o concelho. Águeda, devido ao florescimento da sua indústria de ferragens, atraiu muitas pessoas vindas sobretudo das aldeias da serra do Caramulo. Muitos vieram com as famílias, o que aumentou bastante a população de Águeda, e muitos viviam em condições miseráveis. Ainda hoje muitos referem que a sopa escolar e o pedaço de pão que era servida às crianças das escolas lhes matou a fome, porque em suas casas quase nada havia.
Se às crianças Águeda se dava a sopa escolar, que era paga com as ajudas de vários beneméritos, para os adultos pobres e desamparados nada havia e alguns andavam errantes. O Pe. Amílcar cria, em 1944, na Rua Adolfo Portela (rua da Venda Nova), a “Sopa dos Pobres”. A tia Rosa fazia de cozinheira e lá iam comer a sopa o Pantera, o Chico Tinhoso, o Júlio, o Cheta, o Chantra e a mulher. Algumas mulheres vinham buscar a sopa que levavam para a família. Manter em funcionamento a Sopa dos Pobres foi uma luta muito grande do Pe. Amílcar, que mobilizou os Aguedenses com peditórios, Cantar dos Reis, Festas dos Pobres e pedidos oficiais feitos sobretudo por intermédio do Conde de Águeda, que era deputado da Nação.
O Pe. Amílcar, pelo seu grande dinamismo, por ser uma pessoa humilde e com boa capacidade de comunicação, teve facilidade em mobilizar os Aguedenses não só para os atos religiosos, mas também se integrou facilmente na vida social, cultural e associativa. Conviveu muito com Neca Carneiro, Dr. António Breda, Dionísio Pinheiro, Dr. Fausto Oliveira e outros representantes da vida social, cultural e militar, que muito o ajudaram na missão de pároco de Águeda.
Foi uma pessoa muito sensível à pobreza e para essa realidade sensibilizou muitos. Para resolver essa chaga dos necessitados, cria a “Festa dos Pobres” que animava o mês de Junho e atraia a Águeda milhares de pessoas do concelho e da região (o comboio Vouguinha funcionava até à meia-noite). Essas festas eram festivais de folclore e de variedades trazendo a Águeda grupos e artistas famosos. As festas realizavam-se junto ao rio, com restaurantes e outras atividades, revertendo as receitas para a “Sopa dos Pobres” e para as “Casas dos Pobres”.
Em 1953 e 1954, o Pe. Amílcar mobiliza Águeda e os seus amigos para a construção de casas para os pobres. Em terreno baldio situado nas Cameleiras de Cima, em Paredes, oferecido pela Câmara Municipal, mandou construir três casas para alojar famílias pobres. Uma das casas foi construída com doze contos oferecidos pelos oficiais e alunos da Escola Central de Sargentos, por proposta do seu comandante Pinho e Freitas. A outra casa, também de doze contos, foi oferecida pelo Pe. Américo, dinheiro do Fundo dos Pobres. A terceira foi paga com os doze contos que o Pe. Amílcar conseguiu com a ajuda dos Aguedenses, dos industriais, dos comerciantes e de muitos amigos pessoais de vários pontos do país.
A Paróquia de Águeda não tinha qualquer património além da Igreja Matriz. Em 1953, o Pe. Amílcar manda colocar um painel de azulejos no lado nascente da igreja, oferta da Fábrica do Outeiro, bem como caiar todo o edifício, lavar as cantarias e substituir os vidros partidos pelas boladas dos alunos da primária do Adro e dos alunos da Escola Industrial e Comercial, que jogavam à bola no Adro da Igreja.
O Pe. Amílcar foi professor de Moral na Escola Industrial e Comercial de Águeda (EICA) e professor de História no Colégio de S. Bernardo. Foi um professor muito conceituado, pois tinha um espírito inovador e criativo. Na Paróquia, promoveu a formação de catequistas e enviava equipas de raparigas catequistas que, de bicicleta, iam dar catequese a Bolfiar e à Giesteira. A catequese passou a funcionar por anos e a falta de espaço na Igreja e sacristia levaram o Pe. Amílcar a sonhar com um centro que servisse para a formação (catequese e outras), que tivesse um salão para a cultura, uma biblioteca, uma cozinha e umrefeitório social. Sonhou, também, para esse centro, com pequenos apartamentos onde os pobres podiam tomar banho e pernoitarem. Esse centro denominava-se “Centro de Formação e Assistência Social de Águeda” - CEFAS. Esse sonho também tinha anexo uma residência paroquial para quatro pessoas. (...)
Apesar de trabalhar no Secretariado Nacional, não deixou de ser o Prior de Águeda e mobilizava, de longe, a vida em Águeda, pois foi nesse período que foram construídas as Casas dos Pobres, que se realizaram as Festas dos Pobres, que foi construída a residência paroquial - que ele concluiu, mas nunca habitou -, e iniciou a construção do CEFAS, que viria a ser concluído pelo Pe. Miguel José da Cruz. O Pe. Amílcar utilizou bem as amizades construídas em Águeda para conseguir, em Lisboa, bons apoios para as obras que tinha na Paróquia de Águeda.
Em 1956, a sua despedida foi muito sentida pela comunidade Aguedense e não faltaram cerimónias de homenagem e agradecimento, quer por um grupo de senhoras colaboradoras das Festas dos Pobres, quer da vila, da EICA e do Orfeão de Águeda, coletividade da qual era presidente da Assembleia Geral. O Pe. Amílcar, o senhor Prior de Águeda, viu reconhecido o seu papel de padre promotor dos pobres, de animador da fé dos seus paroquianos e de mensageiro do Reino de Deus seguindo o lema da sua ordenação sacerdotal: “Por Jesus Cristo é dada a Deus Pai toda a honra e toda a glória”. (...)
Por motivos de saúde foi viver para Paçô, em Sever do Vouga, de 1970 a 1990, vindo a falecer no Hospital de Águeda, no dia 13 de Dezembro de 1990. Durante esse período foi arcipreste de Sever do Vouga, criou e foi o primeiro diretor do jornal “Terras do Vouga”. Foi o principal mentor da construção da nova igreja de S. Macário e da Associação Cultural da Senhorinha.
Em sua memória, a Câmara Municipal de Sever do Vouga atribuiu o seu nome a uma rua em Senhorinha, em frente da Igreja de S. Macário.
O Bispo de Aveiro, D. António Moiteiro, promoveu algumas ações de reconhecimento público da missão do Monsenhor Amílcar Amaral na passagem do seu centenário natalício (1919-2019). A primeira foi em Fátima no Encontro Nacional de Catequistas, em Setembro, e as próximas são no dia 14 de Dezembro, com sessão em Águeda, no CEFAS, das 9.30 às 13 horas e com missa às 18 na Igreja de Águeda e às 21 na Senhorinha, Sever do Vouga, com a presença do Orfeão de Águeda num concerto na Igreja de S. Macário.
Ainda hoje há muitas pessoas que recordam com muita simpatia e admiração a figura deste padre, que durante 14 anos serviu os Aguedenses dando-se de corpo e alma, criando um dinamismo que é difícil de igualar. Que as comemorações deste primeiro centenário possam dar a visibilidade merecida a quem tanto serviu e marcou Águeda com o seu humanismo e solidariedade."
Por A. Gomes