04/01/2024
Do pó mais puro se tecem os finíssimos fios da vida e das relações que sustentam aqueles que se julgam vivos. Puro é somente o espaço, nem sequer o tempo. Do pó se constrói o infinito. E o infinito não cabe a não ser no pensamento. Só existe na medida do humano que não é devir mas movimento. Nas pessoas que não sabem por que existem. No mais puro desencontro, são os laços quase ténues das palavras que resistem. Esses gritos primevos que ainda conhecemos... mas às vezes em silêncio são esquecidos. Das línguas antigas herdamos o sentido. A música nasce nas cavernas nuas de quem sofre. Despidos, somos um eco vazio de saudade. Perdidos na voz que ninguém ouve. A poesia surge sempre no limite. A memória que cede. Uma mão que se afasta. E o silêncio é subitamente azul e mais frio. Outra mão que morre, uma voz que se ergue para dizer o que nunca anuncia. Que sei eu? Que sabemos nós, aqueles a quem a morte não escolhe? Linhas de tempo a fazer de si próprias o destino… O caminho que se constrói a caminho. A palavra que se define no gesto que a imita. O acto mais simples. Este é o peso do que somos. Um pequeno curso de água em que a luz se detém e tudo principia. Para que Deus seja um só e exista. Sobre os livros, pó. Sobre nós… um rio. Sinuoso atalho por onde correm corpos à deriva. Assim é a arte, o azul dos lábios que murmuram junto às pontes quando existem. Outros lábios, outros corpos, carregados de pó e de vontade. Na nudez da procura mais sagrada. Profana por ser mais do que a vontade. E viver além dos muros das cidades aonde nunca chega a madrugada. O que fazemos nunca tem sentido. Só vivemos por não sabermos como havemos de fazer para não mais existirmos. O nada na arte, esse existe. Mas não que pensamos. Nem o que sentimos. Dos outros queremos mais do que água. É a sede que neles invejamos, a fome mais antiga que a noite e a vida...esse ínfimo sentido que procuramos até nos dias mais simples. E assim o nosso corpo definha… Cansado de esperar o milagre do abraço consentido. Do gesto sem memória devolvido. Gasto a procurar a liberdade no silêncio, atrás das portas que se fecham quando, às vezes, as abrimos.